CARTA ABERTA À SOCIEDADE BRASILEIRA
10 ameaças do Projeto de Lei nº 350/23 que promovem grave retrocesso nas
regras de proteção ambiental no Estado de Goiás
Mobilização Veta Caiado!
No dia 1º de junho de 2023, às vésperas do Dia Mundial do Meio Ambiente, a
Assembléia Legislativa de Goiás aprovou com uma tramitação relâmpago, em
apenas um mês, o Projeto de Lei 350/2023, que anula as leis de proteção ambiental
sobre o meio ambiente no Estado, abrindo espaço para anistiar desmatadores,
relaxar exigências de reparação de crimes ambientais, retirar poder de instituições
regulatórias ambientais, retirar proteção de nascentes e ampliar as possibilidades de
desmatamento de áreas de Cerrado preservadas. Seu texto tem nove artigos que
alteram detalhes importantes em quatro leis estaduais, um verdadeiro condomínio
de jabutis legislativos. Compilamos a seguir os 10 pontos principais, outros pontos
importantes e aprofundamento na análise destes aqui listados podem ser
conferidos na Nota Técnica que produzimos e publicamos junto com esta carta.
1. O PL 350/23 ainda anistia crimes ambientais cometidos antes de 27 de dezembro
de 2019 colocando esta data como referência na possibilidade de requerimento de
licença ambiental corretiva. Esse dispositivo amplia em 11 anos o prazo
estabelecido pela Lei Florestal Federal 12.651/2012, contrariando e flexibilizando a
norma federal.
2. O PL 350 modifica o Código Florestal de Goiás, atentando contra as áreas de
preservação permanente chamadas “campos de murundus” em clara
inconstitucionalidade. O dispositivo alterado permite que campos de murundus
sejam desmatados no caso de processos de reordenamento territorial das reservas
legais com conversão de novas áreas. Os campos de murundus têm importância
vital para o ciclo hidrológico, pois esses campos são um reservatório natural de
água que promove uma fluição lenta e gradual da água para as nascentes,
garantindo sua perenidade. Isso quer dizer que sua supressão prejudica muito
essas nascentes,causando até mesmo a extinção destas.
3. O PL 350/23 considera a possibilidade de “supressão de fragmentos isolados de
vegetação nativa, conhecidos como capões”, ou seja, de áreas vegetadas com até
2 hectares. Essa possibilidade representa impacto considerável para o que resta de
Cerrado no Estado de Goiás, na medida em que temos muitas dessas áreas ainda
presentes no território goiano. Essas áreas são importantes para garantir o fluxo
gênico de fauna e flora, para instituir corredores e/ou mosaicos de biodiversidade. A
perda desses fragmentos causam sérias perdas de biodiversidade.
4. O PL 350/23 ainda cria a possibilidade de o empreendedor optar pelo
licenciamento municipal ou estadual. Isso retira poder dos municípios para regular
seu próprio meio ambiente, impondo a ele as decisões do licenciador estadual.
Sabemos que os problemas ambientais são sentidos localmente, o que resulta em
uma invasão clara do estado sobre os municípios.
5. O PL 350/23 possibilita ao estado de Goiás criar seu próprio CAR. Trata-se de
uma manobra perigosa porque dá margem para ignorar regras estabelecidas
nacionalmente pelo CAR. E a nível municipal, causando que a fiscalização e até
mesmo a punição por danos ambientais, seja prejudicada por falta de informações
ou informações inverídicas.
6. O PL 350 também relaxa as exigências quanto à localização das reservas legais
averbadas em matrícula do registro de imóveis, quando não for possível a integral
espacialização a partir das informações constantes nas certidões registradas em
cartório que ainda estão em vigor. Essa medida é extremamente grave, porque as
matrículas antigas muitas vezes não tinham limites claros, em razão de limites
tecnológicos da época.
7. O PL 350/23 abre margem para a não exigência de regeneração das áreas
degradadas por crimes ambientais no caso de implantação de empreendimentos
considerados de utilidade pública ou de interesse social que vierem a afetar
reservas legais próprias ou de terceiros. O dispositivo dá margem à inaplicabilidade
de quaisquer modalidades de compensação, permitindo que se conceda a
declaração de inexistência de passivos ambientais.
8. O PL 350/23, passa a conceder Declaração de Inexistência de Passivos
Ambientais para imóveis que ainda estão sanando irregularidades durante o
cumprimento de TCAs. Ao conceder essa Declaração é gerada uma falsa impressão
de regularidade irrestrita da propriedade. Com esse documento, a propriedade
irregular poderá ter acesso a recursos de financiamento governamental para seus
processos produtivos antes mesmo de se concretizar sua regularização, esvaziando
um dos principais instrumentos de regulação ambiental. Pode, ainda, desestimular o
cumprimento integral de eventual termo de compromisso ambiental, vez que não há
nada que limite formalmente a sua atuação.
9. O PL 350/23 condiciona a publicidade e o acesso às informações constantes em
autos de processos administrativos ambientais à certificação da notificação do
autuado. Essa medida representa prejuízo à transparência e limita o princípio da
publicidade, impedindo o controle social sobre a atuação dos órgãos ambientais e
das infrações que vêm ocorrendo no território, especialmente em relação aos
dispositivos de controle instituídos pelo Sistema Nacional de Informações sobre
Meio Ambiente, o SINIMA, como o controle da ocupação do território criado através
do Cadastro Ambiental Rural, o CAR.
10. O artigo 5º do PL volta ao tema da remuneração de instituições gestoras de
fundos ambientais, estabelecendo o percentual de 12% como teto remuneratório, o
que destina parte de recursos que deveriam ser utilizados na proteção e/ou na
recuperação do meio ambiente à atividade-meio de gestão desses recursos,
contrariando toda a lógica da normativa pertinente.
* * *
Considerando que o Cerrado é bioma essencial para a manutenção da segurança
hídrica no Brasil, em especial na região de sua ocorrência e no Estado de Goiás,
como fonte das águas das três principais bacias hidrográficas do Brasil;
Considerando que a ausência de água conduz a impactos de diversas ordens,
como ambiental – prejudicando processos ecológicos essenciais, impactando em
fauna e flora – social – afetando as cidades, as populações e comunidades que
dependem da água para subsistência – e econômica – na medida em que prejudica
atividades produtivas, sejam elas comerciais, industriais ou agropecuárias;
Considerando que as alterações promovidas pelo PL 350/23 contrariam
compromissos internacionais assumidos pelo Brasil para reduzir as emissões de
gases de efeito estufa e reduzir as taxas de desmatamento e a reflorestar 12
milhões de hectares de floresta;
Considerando as flagrantes ilegalidades, inconstitucionalidades e destruições
ambientais apontadas acima, que as entidades e pessoas físicas abaixo
relacionadas, solicitam ao Governador Ronaldo Caiado que vete integralmente o
Projeto de Lei 350/23.
Entidades
ARCA – Associação para a Recuperação e Conservação do Ambiente
Asibama Goiás – Associação dos servidores do Ibama e ICmbio em Goiás.
Associação SOS Rio Piracanjuba
AVINC – A Vida No Cerrado
Centro Internacional de Direito Ambiental Comparado (CIDCE)
Cooperativa Mista de Trabalho Casa do Cerrado
COOPERBELA – Cooperativa de Catadores de Material Reciclável de Bela Vista
Guardiões do Meia Ponte
Instituto Aldeias
Instituto Altair Sales (IAS)
Instituto de Desenvolvimento Econômico e Socioambiental
Instituto EcomAmor
Instituto Plantadores de Água
Instituto Santa Dica
Laboter – Laboratório de Estudos e Pesquisas das Dinâmicas Territoriais
Projeto Salve o Cerrado
Rede Pouso Alto Agroecologia
SindMP
Territórios Globais – TG Soluções para o Desenvolvimento Sustentável
Pessoas Físicas
Alexandra Sofia Miranda dos Santos – Doutora em Artes Visuais
Álvaro Fernando De Angelis – ativista, integrante do GT Resistência aos Desmontes
Ambientais / Rede Brasileira de Justiça Ambiental – RBJA e coordenador do
movimento SOS Chapada dos Veadeiros
Ângelo Daré – Coordenador de Mobilização da Associação Alternativa Terrazul
Bruno Benfica Marinho – Procurador Federal da AGU
Carlos Osório – Estudos de Doutorado em Ciências Geográficas
Cayo Henrique Ferreira de Alcantâra – Fundador e Diretor Executivo da AVINC
Elisa Almeida França – Jornalista
Everaldo Antônio Pastore – Professor, Arquiteto e Urbanista
Flávia Machado – Doutora em Ecologia e Evolução
Flávio Marcos G. de Araújo – PPGeo UFG /TRAPPU
Gerson de Souza Arrais Neto – Especialista em Planejamento Urbano e Ambiental
Gilmar Barros Costa – SindMPU/ GO
José Antônio Tietzmann e Silva – Advogado, Professor e Pesquisador na UFG e na
PUC Goiás, Vice-Presidente do Centro Internacional de Direito Ambiental
Comparado (CIDCE), Membro da Associação de Professores de Direito Ambiental
do Brasil (APRODAB)
Leo Caetano Fernandes da Silva – Dr. em Ecologia e Evolução, Analista Ambiental
do Ibama
Lívia Gomide – Arquiteta e Urbanista
Lilia Monteiro – Direção Rede Sustentabilidade Goiás
Luciana Pinto – Arquiteta e Urbanista
Luciane Martins de Araújo – Advogada, Professora e Pesquisadora na PUC Goiás,
Membro do Centro Internacional de Direito Ambiental Comparado (CIDCE) e da
Associação de Professores de Direito Ambiental do Brasil (APRODAB)
Lucília Amaral – Professora, Ambientalista e membra-fundadora do Instituto Santa
Dica
Lucíola Cabral – Procuradora das áreas de urbanismo e ambiente do Município de
Fortaleza-CE, Membro da Associação de Professores de Direito Ambiental do Brasil
(APRODAB).
Maria Eugênia Guimarães – Doutora em Sociologia
Pedro Ivo de Souza Batista – Coordenador Nacional do FBOMS – Fórum Brasileiro
de Ongs e Movimentos Sociais pelo Meio Ambiente, membro do Conselho Nacional
do Meio Ambiente (Conama)
Rodrigo Marciel Soares Dutra – Servidor do Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia de Goiás (IFG) e Doutorando em Geografia pelo IESA/UFG
Sandra Cureau – Procuradora da República, Ministério Público Federal, Membro da
Associação de Professores de Direito Ambiental do Brasil (APRODAB).
Sandra de Oliveira Dias – Doutoranda em Ciências Ambientais- Mestre em Direito
Constitucional- Serventuária do Tribunal de Justiça de Goiás – membro da La Clima

Nós, organizações, entidades, pesquisadores e ambientalistas com históricos sólidos de atuação na área ambiental, com realizações concretas e um compromisso genuíno com a proteção do meio ambiente em Goiás, pedimos atenção à Lei 22.017/23, recentemente aprovada em Goiás.
Entendemos que a proteção ambiental é uma questão de extrema importância para o estado, e como representantes da sociedade civil engajados nessa causa, consideramos um dever manifestar nossas preocupações sobre as possíveis consequências negativas da Lei para o meio ambiente em Goiás.
Buscamos alternativas e soluções que promovam o equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e a conservação ambiental do Cerrado.
#Lei22.017éinconstitucional